AVISO: Escrevo esse texto para gerar uma reflexão sobre o cenário, sobre o contexto atual. De maneira alguma tenho a pretensão de trazer respostas, no máximo, quero provocar que façamos, juntos, novas perguntas.A complexidade da era moderna apresentou-nos um leque de desafios organizacionais tão vasto que nem a mais fértil imaginação teria sido capaz de conceber. O mundo do trabalho, que ao longo da história passou por mudanças substanciais, enfrenta agora um bombardeio multidimensional com potencial para mudanças ainda maiores, o que consolida de vez a indissociabilidade das organizações e da sociedade.
Os reflexos econômicos, sociais, cognitivos e comportamentais de uma pandemia global, que trouxe consigo a possibilidade do trabalho remoto ou híbrido, muitas vezes subvertendo a lógica da produtividade como sinônimo de ocupação do tempo, revelou outras formas de fazer gestão, com indicadores sólidos que representassem o que realmente importa: a entrega de cada colaborador. Trouxe ainda o lado obscuro do trabalho remoto, o isolamento, que provocou um aumento nos casos de ansiedade e depressão no trabalho, impactos negativos na manutenção da cultura organizacional e uma ressignificação do papel e da centralidade do trabalho na vida das pessoas.
Os índices relacionados a burnout e outras doenças ocupacionais não são apenas reflexos da pandemia, a crise de saúde mental e afastamento do trabalho por burnout e outras doenças ocupacionais atinge números assustadores na atualidade. De acordo com a OMS, 264 milhões de pessoas sofrem depressão e causam uma perda de aproximadamente 1 trilhão de dólares para a economia mundial todos os anos. A mesma pesquisa afirma ainda que a cada 1 dólar investido em ações, 4 dólares são percebidos em ganhos com aumento da produtividade. Uma pesquisa da Capita revelou que: 79% dos colaboradores relataram ter sofrido estresse no trabalho nos últimos 12 meses; 22% disseram sentir estresse com alta frequência ou o tempo todo; 47% acham que é normal sentir stress e ansiedade no trabalho; 45% consideraram deixar um emprego devido ao estresse que ele gera; 53% tiveram colegas que foram forçados a desistir do trabalho devido ao estresse; 49% não acham que seu líder imediato saberia o que fazer se eles conversassem com ele sobre um problema de saúde mental. Segundo a OIT 42% dos brasileiros já sofreram assédio moral. Entre os “efeitos colaterais” identificados nas respostas, chamam a atenção: 44% afirmaram estar mais irritados no trabalho; 25% aumentaram o consumo de álcool; 28% confessaram descontar em familiares; 15% aumentaram o consumo de cigarros. A saúde mental ainda é vista como um tabu: 24% dos trabalhadores já precisaram se afastar por estresse, porém menos da metade dos afastamentos tiveram registros relacionados à saúde mental. 37% dos respondentes afirmam não se sentirem confortáveis em assumir para os colegas de trabalho, ou mesmo para a empresa que o afastamento foi motivado para cuidar da saúde mental. Ainda na mesma pesquisa, 55% dos colaboradores sentem medo de tirar dias de folga para cuidarem de sua saúde mental. Uma pesquisa da Zenklub mapeou o bem-estar corporativo em 13 setores da economia e apontou que, mesmo o setor com índice mais alto, não chegou ao mínimo proposto pela metodologia. Outra pesquisa, conduzida pela Infojobs, evidenciou que 61% das pessoas não se sentem satisfeitas no trabalho, 76% conhecem alguém que precisou se afastar do trabalho por razões psicológicas e 86% acreditam que as empresas não estão preparadas para lidar com a saúde mental dos funcionários. Esses dados evidenciam uma realidade dura: as organizações precisam agir ativamente para cuidar das pessoas, ou pelo menos, não causar danos à saúde mental.As expectativas modernas em relação ao tecido empresarial não se resumem ao ambiente interno, a intersecção com questões sociais e ambientais tem se expandido nos últimos anos, como é o caso do eminente colapso climático que provoca a reflexão sobre o papel das organizações nesse cenário e a inclusão dos indicadores ESG no vocabulário das empresas. Essa pauta se reforça pela exigência do mercado consumidor e da força de trabalho, que busca identificação com valores e causas para que haja engajamento verdadeiro. Já não é mais possível manter apenas o discurso, é necessário demonstrar preocupação e ações que provoquem mudança.Nesse sentido, outra pauta central é o movimento de diversidade e inclusão que traz discussões sociais importantes como equidade de gênero, racismo, capacitismo, homofobia, transfobia e etarismo para dentro das empresas. De acordo com o último censo do IBGE 51,5% da população brasileira são mulheres, percentual que não é representado em posições de liderança, assim como os 45,3% da população que se declaram como parda e 10,2% que se declara como preta, que muitas vezes não é representada nem mesmo na força de trabalho em geral. Se considerarmos as pessoas com deficiência, que correspondem a 8,9% da população, temos uma inserção ainda menor. O crescente interesse pelo tema diversidade e inclusão é justificado por esses dados, porém uma pesquisa realizada pela consultoria global Korn Ferry com 250 organizações brasileiras, afirma que 85% das empresas intensificaram seus os esforços sobre o tema nos últimos 12 meses, mas apenas 14% avaliam que seus esforços estão sendo muito efetivos. Há um distanciamento entre políticas e práticas, visto que algumas organizações têm apenas foco mercadológico ao explorar a temática da diversidade para fins comerciais ou apoiada na diversidade cognitiva como justificativa para a inovação.Para além da estruturação de programas e políticas de gestão da diversidade, é necessário um longo processo educativo que prepare os trabalhadores e a organização para receberem pessoas com características distintas, seja quanto à idade, raça, etnia, identidade ou expressão de gênero, orientação sexual e capacidade, para que haja uma mudança de mentalidade, da aceitação – que denota algo que está à margem, que não pertence e precisa ser aceito no grupo – para a valorização das diferenças – que sempre existiram e fizeram parte da sociedade, mas que foram estigmatizadas e tiveram seu espaço historicamente negado pela LGBTfobia, racismo, etarismo e capacitismo, provocando uma disparidade de oportunidades sem igual.Essa disparidade se revela como fator decisivo para a revolução tecnológica e uso de inteligência artificial, por exemplo, que traz consigo uma força dupla: por um lado, tem o potencial de automatizar tarefas repetitivas e otimizar processos, liberando os colaboradores para se envolverem em trabalhos mais criativos e significativos, por outro, pode acentuar as disparidades já existentes, tornando o mercado de trabalho menos acessível para aqueles cuja formação foi precária. Diante de todas essas questões uma consciência emergente clama por mudanças significativas – desde a sustentabilidade ambiental até a equidade de gênero – mas é preciso ampliar ainda mais a consciência para compreender o papel das organizações na sociedade com maior profundidade e concebê-las como nosso maior potencial de realização coletiva, justamente por serem ambientes de subjetivação tão importantes para todos nós, por terem o poder de nos mobilizar coletivamente em prol de objetivos comuns e por inevitavelmente proporcionarem impactos na realidade em cada ação efetivada.Dentro deste contexto, as organizações têm uma responsabilidade valiosa e podem colher benefícios ao mitigar as disparidades sociais através de suas políticas e práticas. Investindo em programas de aprendizagem e desenvolvimento, podem reduzir a lacuna educacional e capacitar a força de trabalho local, especialmente em comunidades com baixa acessibilidade escolar. Além disso, podem desempenhar um papel ativo na construção de uma sociedade mais igualitária, patrocinando e apoiando iniciativas de educação para a diversidade e a inclusão. Tal comprometimento não só eleva o capital humano disponível mas também alimenta a marca da organização como uma entidade socialmente responsável, atraindo talentos que valorizam o propósito e a integridade, e entregando valor não apenas econômico, mas também socialTal ampliação de visão vai ao encontro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, é impulsionada por um mercado cada vez mais atento e por gerações de trabalhadores e consumidores que exigem um compromisso genuíno com valores sociais. A escassez de talentos e o desinteresse das novas gerações por posições tradicionais de liderança, por exemplo, evidenciam uma transformação nas expectativas laborais e um afastamento do formato de trabalho convencional.Dentro desse contexto, as demandas por diversidade, inclusão, bem-estar e saúde mental emergem como pautas inadiáveis e estratégicas. As organizações, em meio à recuperação de uma pandemia global, encontram-se em uma encruzilhada, precisando não apenas sobreviver economicamente, mas também estabelecer-se como líderes em humanização e inovação responsável, se quiserem prosperar no longo prazo. Sem olhar para estas questões não há como atrair, reter, desenvolver e potencializar os resultados de bons colaboradores. A gestão moderna, particularmente em pequenas e médias empresas – que figuram como espinha dorsal da economia – encara desafios que vão muito além do gerenciamento de processos. Somos chamados a compreender uma nova geometria do trabalho e da gestão, onde cada decisão e ação podem ressoar profundamente no tecido social.Dos desejos mais pungentes de empreendedores de todo o país destacam-se a alta performance, o engajamento, o comprometimento, a proatividade, a inovação e os resultados acima da média, mas precisamos encarar a verdade: não há alta performance sem equipe preparada e recursos adequados de trabalho. Não há engajamento sem clareza de objetivos, estratégia e suporte. Não há comprometimento sem demonstrar preocupação genuína com o bem-estar de cada membro da equipe. Não há proatividade sem flexibilização e conversas sobre os limites da autonomia. Não há inovação sem diversidade e não há resultados acima da média fazendo tudo sempre da mesma maneira. Essa cadeia de interdependências representa justamente o ciclo virtuoso que as organizações devem incentivar para manter-se produtivas e dinâmicas. Com este panorama diante de nós, cabe às organizações e indivíduos alinharem-se a um propósito mais elevado que une o progresso econômico à realização humana. A mensuração de sucesso não pode ser limitada pelo saldo bancário ou pelo cumprimento de metas de eficiência. Devemos questionar a natureza do trabalho e a essência das organizações, aspirando estruturas que promovam dignidade e um sentido de participação no âmbito maior da sociedade. O trabalho deve ser visto como uma jornada colaborativa, uma narrativa que se desenrola nos gestos cotidianos e no impacto coletivo de nossas ações. Este é o convite para um rompimento consciente com paradigmas antiquados e uma chamada para a remodelação das práticas laborais e organizacionais, em busca de um mundo onde o trabalho não seja apenas uma exigência, mas um espaço de expressão autêntica e transformação social.